terça-feira, 23 de outubro de 2012

O têpluquê




O têpluquê

Era uma vez um menino que tinha um defeito de pronúncia. Não era capaz de dizer : dizia quê. Trocava o pelo quê. Trocava o têpluquê. Em vez de dizer tasa, como toda a gente, dizia casa; em vez de dizer tão, dizia cão; em vez de dizer tapete, dizia carpete (às vezes deixava uns tês para trás, deixava uns quês para crás). E assim por diante: em vez de dizer tábua, dizia cábula; em vez de dizer tu, dizia rabo; em vez de dizer Tomé, dizia Comé; em vez de dizer taxímetro, dizia caxímetro, etc. (em vez de dizer etc., dizia ecc.).

Esta história (em vez de dizer esta história, dizia esca escória) tem uma moral, é das que têm moral: todos os defeitos de pronúncia (como os outros defeitos todos, há uma história para cada defeito) têm também virtudes de pronúncia, senão eram defeitos perfeitos. Ao menino, como a toda a gente que tem defeitos de pronúncia, ENTARAMELAVA-SE-LHE a língua; este menino tinha sorte porque, como as letras do defeito dele eram o e o quê, a língua ENCARAMELAVA-SE-LHE e o menino gostava muito (goscava muico).

Manuel António Pina, "O têpluquê"
in O Têpluquê e Outras Histórias, Lisboa: Assírio & Alvim, 2006, pp. 25-26.
(versão grafada como surge no livro)